Por que as Mulheres Mentem
Toda
mulher tem em si o germe da maternidade, mesmo que nunca venha a se tornar mãe.
Símbolo do amor, guardiã do lar, benfeitora do mundo, a mulher, fascinante ser
da criação também é humana e como tal está sujeita a toda sorte de catástrofes
a que nós homens estamos sujeitos. Então por que mentem as mulheres?
Alguns
de ânimos exaltados, logo dirão que as mulheres não mentem jamais. Dizem isso
sem compreender a extensão de minhas palavras e seu teor quase filosófico, quem
sabe?
A
mulher é um ser divino, todos o sabem, mas qual o homem, digo e repito, qual o
homem que gostaria de ser mulher?
Ora,
todos os homens mentem, com raríssimas exceções, e são todos seres humanos. As
mulheres também são seres humanos, logo...
Para
que não me acusem mais disto ou daquilo, transcrevo uma carta que recebi há
alguns dias, que trata exatamente deste assunto.
Meu
nome é Ana Cristina, sou casada e muito bem casada, portanto, o nome é
fictício, nem precisaria dizer. Nasci no interior e meu pai, rico fazendeiro da
região, era temido por todos: fazendeiros, sitiantes, gente da cidade, por mim
e por mamãe.
Um dia, filha única, filha de seus cuidados, saí para
passear e tomar banho de rio. Atrasei-me para o jantar servido pontualmente às
cinco e meia. Meu pai se pôs em desespero e irritado, começou a andar de um
lado a outro da sala. Mamãe tratou logo de amenizar a situação, disse que eu
tinha ido com Tião, um rapazinho que nascera e trabalhava na fazenda, ao pomar
colher algumas frutas para a sobremesa e que não tardava a chegar. Papai
acalmou-se um pouco, mas logo empertigou-se. Tião entrara na sala trazendo as
frutas. Sozinho.
-
Cadê Aninha?
-
Sei não, patrão...
Papai
olhou fuzilante para mamãe, descobrira a mentira, porém, antes que pudesse
investir contra ela, entrei na
sala correndo e saltitante. Olhei à volta e entendi a situação, também o olhar
de mamãe denunciava tudo.
- Ô, Tião, por que não me esperou?
Papai, depois de toda a minha cena, acreditou que tudo
não passou de brincadeira de criança, mas passou a olhar Tião com certa reserva
e cautela.
Tião e eu crescemos juntos e juntos passamos pela
infância e chegamos à adolescência. Tião era rude, mas jeitoso e carinhoso
comigo. Nós nos amávamos. Contudo, papai, com todo o seu rigor, jamais permitiria
que sua filha, filha de um rico fazendeiro, se envolvesse com um peão. Mesmo
assim seguimos com nosso namoro, em segredo, quer dizer, segredo mesmo só havia
para papai. Mamãe, atenta, vigiava meus passos e os de papai, mas para
tranqüilizar-se de toda, arrumou-me um pretendente, filho de um compadre de
papai. Tião esbravejou, praguejou, mas eu o convenci de que seria melhor, até
arranjarmos as coisas. Assim, namorava abertamente com Justino, nome também
fictício e às escondidas com meu amado Tião.
Tião e eu passamos dos limites: engravidei. Tião queria
casar, enfrentar papai e eu consegui, não sem muito esforço, fazer com que
visse o absurdo que isso seria; papai certamente o mataria. Mamãe, como já
disse, sempre atenta, conversando com papai, assegurou-lhe que eu amava Justino
e que era preciso que nos casássemos logo.Não sem desconfiança, papai
consentiu. Dos males, disse ele, se é que existe algum mal, o menor. Eu e Tião
nos separamos tristemente. Tião era empregado aos olhos de papai e aos meus, jamais
poderia... Ao passo que Justino era rico e herdeiro...
Dali a pouco, casávamos Justino e eu. Tião partiu, mas
jurou que um dia voltaria para buscar a mim e ao nosso filho, assim que fizesse
fortuna.
Nosso filho nasceu daí a sete meses, mas não houve
reboliço, porque o bebê era franzino e ninguém duvidou que ele era realmente de
sete meses. Talvez alguém desconfiasse, mas nunca disse nada e nem teria
coragem. Nasceu rico e herdeiro como o pai.
Anos depois, papai já falecido e eu com três filhos, reencontro
Tião em nossa pequena, mas bela cidade.
Tião pergunta pelo menino, digo que está bem, é forte e
robusto como os outros. Pede para vê-lo. Não consinto. Diz que está bem de
vida, possui fazenda, gado e tudo mais para me dar conforto, a mim e aos meus
filhos.
- Agora que seu pai morreu...
Sinto uma faca a dilacerar-me o peito, eu ainda o amo e
muito, quase como nos tempos de infância... Porém...
- Desculpe Tião, amo meu marido e jamais o deixaria, nem
ele nem meus filhos, por nada deste mundo...
Tião se afasta com grande revolta e sofrimento, mas
afinal, a vida continua...
Menti! Menti! Menti!
Por que eu menti?
E
eu aqui... Não vou dizer mais nada.
20/10-21/10/05
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