sábado, 23 de julho de 2011

Casamento na Roça - 1ª versão

Comédia em um ato
Cenário: Sala da casa de seu Juvenal. Sofá, poltronas e algumas cadeiras de madeira e uma cadeira de balanço.

Cena I
Juvenal sentado na cadeira de balanço, chapéu enterrado na cabeça, picando fumo e bebericando um copo de aguardente. Entra sua filha Juvenocência.

Juvenocência: Pai! Cê tá muito ocupado?
Juvenal: (como quem não quer nada) Um pouco filha... tô matutando...
Juvenocência: É queu precisava muito di falá co sinhô.
Juvenal: Pois antão, fale Juvenocência, fale.
Juvenocência: Dalberto pai...
Juvenal: Qui tem eli?
Juvenocência: Sabe qui nóis namoremo faiz tempo.
Juvenal: Sei sim, fia, sei sim e como sei.
Juvenocência: Pois é pai, acho que eli ta minrolando. 
Juvenal: Por que ocê tá mi dizendo isso minha fia.
Juvenocência: Eli nun ta querendo casa não.
Juvenal: Si minha fia qué, nóis dá um jeito.
Juvenocência: Carece não.
Juvenal: Antão pro mó di que se veio mi conta isso.
Juvenocência: Pru sinhô si prepará caso eli quera fugir da responsabilidade. Aí sim, si eli nun quisé arca cum feito, aí o pai cunversa co ele.
Juvenal: (Desconfiado) Di qui responsabilidade cê tá falandu?
Juvenocência: A do casório, ué. Eli vai tê qui casá.
Juvenal: Qui que ocê tá dizenu?
Juvenocência: É queu imbuxei.
Juvenal: Mais comu?
Juvenocência: Do jeito tradicionar, ué!
Juvenal: Cê tá mi dizenu qui aqule filho dum coice d’égua teve o displante di lhi fazê mar.
Juvenocência: Feiz não.
Juvenal: como não si ocê tá prenha?
Juvenocência: Pois é! Feiz tão bem queu imbuxei.
Juvenal: Mais qui conversa é essa Juvenocência?...
Juvenocência: Carma pai, carma...
Juvenal: Carmá como si eli num qué casá e ocê ainda vem mi contá tudo isso com a cara mais lambida do mundo?
Juvenocência: Qui otra cara eu ia te pra contá. Dispois eli inda num sabe do fio, cuando subé, eli casa.
Juvenal: Pois eu vô tê uns dois dedinhos de prosa cuesse cão dos inferno. Só vô apanha meu revorvi e ocê vai vê só. (sai).

Cena II
Juvenocência só e muito tranqüila

Juvenocência: Ai, ai... tenho qui acarmá a fera si não vai tê tragédia.

(Entra Inocência, a mãe)

Inocência: Fia de Deus! Qui foi qui ocê disse pru seu pai tá neste estado.
Juvenocência: Nada de mais, mãe. Eu só disse qui to imbuxada.
Inocência: Cê tá dizenu qui o Dalberto lhi feiz mar?
Juvenocência: Mar nada, mãe. Eli feiz foi muito bem, tanto qui nois arrepetimos várias veiz.
Inocência: Cê tá muito é desavergonhada, fia.
Juvenocência: To não, mãe. A sinhora sabi qui eu amu o Dalberto, num sabi?
Inocência: Mais num é assim não minha fia. Uma muié di respeito só pode si intregá adispois do casamento. E agora?... Eli casa, num casa?
Juvenocência: Qué não!
Inocência: Mais como?
Juvenocência: Eli num sabi do fio.
Inocência: Mais tem di sabê minha fia, tem di sabê.
Juvenocêcia: E vai, mãe. Agorinha mesmo eli tá chegano pra gente cunversá.
Inocência: Meu Deus! Seu pai vai matá eli aqui mesmo na sala. Vô já e já tentá acarmá o homi. (sai)

Cena III
Juvenocência sozinha. Entra Dalberto.

Dalberto: Oi minha flô!
Juvenocência: Oi meu amô! Qui bão qui ocê chegô. Nois tem muito qui conversá.
Dalberto: Fala minha jabuticaba, fala queu tô ouvino.
Juvenocência: Nois precisemo di casá.
Dalberto: Casá não, minha formusura, qui nois semo muito novo. Deixa isso pra depois, vamo logo namorá.
Juvenocência: Num dá não Dalberto! Cê num mi ama?
Dalberto: Amo, Ju, amo muito, mais pra quê a pressa? Vamo cum carma...
Juvenocência: Dá não, Dalberto!
Dalberto: Pur que minha flô di maracujá?
Juvenocência: Cê mi...

Cena VI
(Entra Juvenal e dona Inocência)

Juvenal: Cê tá aí fio duma égua! Nois tem muito qui acertá.
Dalberto: Carma lá, meu sogro. Por que tá tão nervoso?
Juvenal: num mi chame de sogro seu fio dum cão.
Inocência: Carma, Juvenal, óia o coração.
Juvenal: Qui coração qui nada! Deixa di bestera muié!
Juvenocência: Carma, pai. Eu inda num falei cum eli.
Juvenal: Carma nada. Eli te imbuxou, agora casa.
Dalberto: Cê tá prenha, minha flô, mais como?
Juvenal: Como si ocê num subesse... E deixa desse trololó eu quero é sabê si ocê casa ou num casa?
Dalberto: Apesar do fio... caso não. Nóis é muito jovem, deixa passa mais tempo. Eu ajudo a cuidá do bacuri e mais tarde nóis casa.
Juvenal: Mais tarde, mais tempo qui nada, cê vai casá e é já!
Dalberto: Caso não.
Juvenal: Casa!
Dalberto: Num caso.
Juvenal: Casa.
Dalberto: Num caso, num caso e num caso.
Juvenal: (Pondo o revolver na cara de Dalberto) Casa.
Dalberto: Caso, claro qui caso. Como não haverá di casá co’essa formosura...
Juvenal: (baixando a arma) Então casa?
Dalberto: Caso. Mais tenho de ir avisá meus pais.
Juvenal: Vou mandá chamá seus pais e o padre.
Dalberto (tentando fugir) Carece não. Eu vô num pé e vorto noutro.
Juvenal: (segurando o braço de Dalberto) Senta aí pra noivá, ocê só sai daqui casado. O Bastião vai lá chamá. (gritando) Bastião, ô Bastião, anda aqui seu cão sarnento.

Cena V
(Os mesmos e entra Bastião)

Bastião: Padrim chamô.
Juvenal: Não, tô gritando pra mode aquecê a garganta.
Bastião: (saindo) Ah!
Juvenal: Vorta aqui, fio dum cão. É claro qui eu tô chamando. Vai lá na casa do cumpadre Celestino e manda vir toda a famia pra cá. Adispois, ocê vai na igreja e chama já seu Padre pra vim aqui com destreza qui é caso di vida e morte.
Dalberto: Pra que tudo isso, meu sogro? Já num disse que caso.
Juvenocência: É pai, eli já disse...
Inocência: Carma, homi, vamos esperá cum carma.

(Juvenal senta na cadeira de balanço e fica encarando Dalberto)

Cena VI
(Os mesmos sentados e em silêncio. Entra o Padre)

Padre: O que aconteceu, seu Juvenal? Vim o mais rápido que eu pude.
Juvenal: (em pé apontando para Dalberto) Esse filho dum paria imbuxou minha fia.
Padre: Mas Como?
Juvenocência: Mais pur que qui todo muno fica perguntando isso? Do jeito tradicionar, ué. Por um acaso tem otro jeito?
Juvenal: Cala boca, fia desavergonhada.
Inocência: Isso num é jeito di ocê falá cum tua fia...
Dalberto: E muito menos cum minha futura esposa.

Cena VII
(Entra seu Celestino, pai de Dalberto, dona filomena e Maricota acompanhados de Bastião)

Celestino: Futura o quê?
Juvenal: Isso mesmo qui o sinhô ouviu. Seu fio feiz mar pra minha fia e agora tem qui casa.
Juvenocência: Feiz mar não, pai. Eli feiz foi bem demais.
Dalberto: E como foi bão, sô!
D. Filó: Mais meu fio, ocê ainda é muito novo.
Juvenal: Novo! Gente nova num faiz o que ele feiz.
Padre: Os tempos estão mudados seu Juvenal.
Juvenal: Só si mudô pras bandas da cidade di onde o sinhô vem. Puraqui tá tudo na mesma: Imbuxô, casô.
Maricota: (a parte) Se o Dalberto casá eu também caso. O Dalberto vai casá, pai?
Celestino: Vai não, qui fio meu num casa as pressa, não.
Juvenal: Casa.
Celestino: num casa.
Juvenal: Casa.
Celestino: Num casa, num casa e num casa.
Juvenal: (Apontando o revolver) Casa.
Celestino: (Também com um revolver) Num casa.
Inocência: Ai dona Filó, mi ajuda a sigurá os homi.
D. Filó: Carma gente, carma, vamos conversá. Cunversando a gente si intendi.
Maricota: ( a parte para Bastião) Nunca vi ninguém morre. Será qui elis si matão?
Bastião: (cochichando) Matão nada, isso é cunversa di gente frouxa.
Padre: (se pondo no meio dos dois homens) Calma meus irmãos. Se vocês não se respeitam, respeitem suas mulheres, d. Inocência, d. Filó e, principalmente, respeitem a mim que sou um emissário de Nosso Senhor. Falemos com os jovens. Juvenocência, você que se casar com o Dalberto.
Juvenal: Nessa hora num tem querê.

(O padre faz um sinal para que seu Juvenal se cale.)

Juvenocência: Quero Padre, é o qui eu mais quero.
Padre: Dalberto, você quer casar com a nossa Juvenocência?
Dalberto: Si meu pai num quisé, eu num caso não.
Juvenocência: Como Dalberto, se disse qui mi ama, num disse...
Juvenal: Comu num qué?
Celestino: Num querendo. Si eli casá eu num vô lhi dá um tustão.
Juvenal: Pois eu num quero o seu dinheiro, Celestino. Aqui na minha roça tem tudo di fartura. Dá pra todu mundo. O que eu quero é que seu fio lave a honra da minha fia casando ou morrendo.
Padre: Isso vai acabar é na delegacia.

Cena VIII
(Enquanto os homens avançam uns sobre os outros e o Padre e as esposas tentam separa-los, Dalberto e Juvenocência continuam no sofá e Maricota conversa com Bastião)

Maricota: Bastião, cê qué namorá comigo? Si Dalberto morre eu fico cum tudo, si ele casa eu também vou fica cum tudo.
Bastião: Aí é seu pai qui vai querê matá um. I vô sê eu.
Maricota: Nóis só vamo namora, seu bobo.
Bastião: I quem disse que eu vô arresistir a sua furmusura.
Maricota: Então... casemo também.
Bastião: Será qui seu pai deixa?
Maricota: (alto) Pai! Eu e o Bastião também queremo casá!
Celestino: E essa agora! Ô muié! Põe juízo na cabeça di tua fia.
Padre: (com olhos de cobiça) Dois casamentos é muito melhor que apenas um.
D. Filó: Que isso Padre?
Padre: Ora! Pensemos. Seu Celestino não quer o casamento de Dalberto com Juvenocência, mas certamente ia querer o casamento de Maricota com o Bastião. Olha que a menina já está passando da idade. Então, tudo ficaria em família e todos poderiam comungar da felicidade.
Inocência: Maricota, minha fia, cê qué mesmo casá com o nosso bastião.
Maricota: Quero sim, d. Inocência.
Juvenal: Mais aí quem num qué sou eu. Bastião é muito novo.
Celestino: E meu fio também num é?
Juvenal: Mais eli imbuxou a minha fia. Qué que o Bastião faça o mesmo, qué?
Celestino: Si fizé eu mato.
Juvenal: Intão vô matá u Dalberto.
Inocência: Ai! Que Deus nos acuda!
D. Filó: Valha-me Deus.
Padre: Irmãos... Temos que manter a calma.

Cena IX
(Entra o Delegado)

Delegado: Qui furduncio é este aqui? Uns passam por aqui e falam de briga, outros falam qui o padre veio correndo por que tinha gente morta... Qué qui tá acontecendo?
Juvenal: Dalberto imbuxou minha fia e num qué casa.
Dalberto: (amedrontado) Meu pai é qui num qué.
Celestino: E num quero mesmo.
Maricota: Mais eu quero casá com o Bastião.
Bastião: Aí quem num qué é meu padrin.
Juvenal: Pois é muito novo i num imbuxou ninguém.
Bastião: (puxando Maricota) Num seja pur isso. Vem Maricota.
Delegado: Fica quieto aqui, seu fio dum cão sarnento.
Inocência: Que isso seu dotô?
Padre: Vamos casá-los todos.
Delegado: é o melhor mesmo.
Dalberto: Si meu pai num qué, eu num caso.
Delegado: Casa.
Dalberto: Num caso.
Delegado: Casa ou vai pro xilindró.
Dalberto: Eu caso, perfeitamente.
Celestino: (com ares de satisfação) E Maricota, também casa, não?
Juvenal: Craro qui não!
Delegado: Casa.
Juvenal: Num casa.
Delegado: Então quem vai pru xilindró é você.
Juvenal: Casa e com a minha bênção.
Inocência: Acho qui tudo vai si arresolvê, né D. Filó.
D. Filó: Graças a Deus, d. Inocência, graças a Deus.
Delegado: Então Padre, quando podemos realizar os casórios?
Padre: hoje mesmo. Eu os conheço a todos e sei que não há nem um impedimento. Façamos a celebração logo mais a noitinha. Afinal a questão é de urgência.
Delegado: Pois então, tá resolvido. Tem casório hoje.
Juvenocência: Ti amo, Dalberto.
Dalberto: Também ti amo, minha flô!
Maricota: Ti amo, Bastião.
Bastião: Também ti amo Maricota.
Padre: Tudo na santa paz.

Cena X
(Entra um guarda correndo)

Guarda: Seu delegado, seu delegado...
Delegado: Respira e fala homem de Deus. O que aconteceu pra você vira assim tão esbaforido.
Guarda: Dona Tristina... seu delegado... seu delegado... dona Tristina tá lhe chamando... é urgente... urgente, seu delegado.
Delegado: Calma, respira com calma. Pronto. Já está bom, não está.

(O guarda faz um gesto de cabeça)

Delegado: Então agora fala com calma o qui aconteceu?
Guarda: É sua fia, seu delegado, sua fia tá imbuxada e ela num qué fala quem foi qui lhe feiz mar!
Juvenocência: Mar nada, é muito é du bom, sô!
Guarda: Ela num qué falá quem foi não. Ela num qué falá si foi o Dalberto ou si foi o Bastião.
Delegado: É hoje qui eu mato um.

(Levanta o revólver da tiros para cima, todos correm, cai o pano.)

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