Viriato, manhosamente, arrumava as malas. Iria a São Paulo a negócios e pretendia ficar por lá cerca de duas semanas. Era empresário, o ramo não importa.
Ajeitava as calças com certo desvelo e os paletós com certa contrariedade. Era péssimo nesse tipo de arrumação. Sua esposa é quem o ajudava nesse ofício. Porém, dona de uma clínica veterinária, tivera uma emergência e deixou ao marido a incumbência de arrumar a própria mala e de cuidar de Alfonsinho, filho do casal. Entretanto, prometeu voltar a tempo de lhe dar um beijo.
Enquanto ajeitava as gravatas, Alfosinho chegou e disparou:
- Pai, o que é cio?
A pergunta pegou Viriato de surpresa.
- Por que isso, meu filho?
- A mamãe é que tava falando no telefone para D. Armínia que a cadela tava no cio.
Alfonsinho, cinco para seis anos, presta atenção em tudo.
- Bem meu filho, o cio é quando a cadela está pronta para procriar e então...
- O que é procriar?
- É quando a cadela está pronta para gerar filhotes.
- Gerar?
- É filho, os cachorrinhos crescem dentro da barriga da cadela até nascerem e mostrarem o focinho para o mundo.
- Pai, eu sou um cachorrinho?
- Claro que não, filho. Você é um ser humano.
- Mas eu cresci na barriga de mamãe, né?
- Cresceu!
- E como os filhotes vão parar na barriga da cadela?
- É por isso que existe o cio.
- O que é cio?
- Então, a cadela está pronta para gerar filhotes. O cachorro vem e... Como vou dizer isso!
- Faz a cobertura?
- É, é... Como você sabe?
- Vi na televisão.
- E por que está me perguntando isso, então?
- Ué, eu não sei o que é cio.
- E como você sabe da cobertura?
- Foi só isso que eu vi. O macho chega, cheira a fêmea e faz a cobertura. Mas não falaram nada sobre cio.
- Pois é, o cio é isso.
- Isso o quê?
- Quando a cadela está pronta para procriar e o cachorro faz a cobertura.
- E...
- Isso é o cio?
- Não entendi.
- Ai, meu Deus! Sabe quando você sente muita vontade de comer chocolate?...
- Isso é cio?
- É, é, é... Não, mas é mais ou menos assim que os cachorros ficam.
- Ah!...
- Entendeu?
- Não.
Silêncio.
- Pai, só os cachorros ficam no cio?
- Não meu filho, todos os animais ficam no cio.
- Pai, nós somos animais?
- Somos, filho, claro que somos.
- Então, nós ficamos no cio, né?
- Não, filho só os animais...
- E o que nós somos?
- Animais.
- Então?
- Mas nós somos diferentes. Já não temos mais este instinto.
- Instinto?
- É, sua mãe é melhor para lhe explicar isso, mas é como se a fêmea tivesse um cheiro diferente durante determinada época, que atrai o macho.
- Isso é o cio, né pai?
- É.
- Agora entendi.
- Ufa! Sussurrou.
- Pai.
- Sim, meu filho.
- Eu cresci na barriga da mamãe, né?
- Cresceu.
- Depois eu nasci, não foi?
- Foi.
- Eu não sou um cachorrinho, né?
- Claro que não, meu filho, você é um ser humano.
- Então a mamãe... Não tem cio.
- Não, filho, nós seres humanos não precisamos mais do cio para procriar.
- E como a gente faz?
- É bem parecido com os animais. Apenas não precisamos de uma época certa para fazer isso.
- Isso o quê?
- Procriar.
- Ter filhotinhos?
- Ter filhos.
- Ah! E como o senhor sabe que a mamãe está pronta para a cobertura?
- Não é assim. A gente apenas fica junto e então...
- Faz sexo.
- Isso, isso... Ei, quem te disse isso?
- Ora papai, todo mundo sabe que tanto os animais como as pessoas fazem sexo. Que nos animais o cio é que determina a época de eles se acasalarem. Mas as pessoas não precisam disso e fazem sexo quando querem. Que mamãe e papai fizeram e por isso eu cresci na barriga da mamãe e por isso eu nasci.
- É.
- Só não entendo é por que vocês continuam fazendo sexo. Eu não quero um irmãozinho.
- Mas, mas, como você sabe de tudo isso?
- Mamãe me explicou tudo ontem à noite.
- Então, por que veio perguntar para mim?
- Eu só queria ver se o senhor sabia.